quinta-feira, abril 27, 2006

Sonho de Ícaro

Bestgraph

Há uma vantagem para quem se define candidato às eleições antes da data limite. Até os não candidatos se beneficiam disso. Estão absolutos nas pesquisas. Os outros também são incluídos mas são uns zé ninguém.
Por outro lado há as desvantagens dessa precipitação, ainda mais quando o telhado dos personagens é de vidro. É chumbo para todo lado, que ninguém é santo. Vejam, por exemplo, no final desta postagem, o que sobrou para o Garotinho. Sem falar no que toca ao Alckmin. Do Lula, nem se fala. Ele é hors concour de patifaria. Mas o bom mesmo é não ter rabo preso. Vou esperar aparecer um Ícaro na política. Não como os que existem por aí. Que alardeiam alto mas rastejam na lama.

O verdadeiro Ícaro, desprezando as instruções de seu pai, subiu muito alto, com suas asas feitas de penas de pássaros, interligadas com cera de abelha. O calor solar derreteu a cera e causou a queda de Ícaro sobre o mar Egeu.

Meu Ícaro, no entanto, no ar terá só o ideal. Suas bases estarão firmemente presas à terra, desprovidas de apetrechos duvidosos: cuecas com fundo falso, malas, envelopes e cheques ao portador. Será que esse cara existe? Já existiu. Mas não acreditamos nele. Deixamos a cera de suas asas derreterem-se perto de um sol vagabundo. Resta-nos a esperança. Ainda é tempo de abrir os olhos.

Segue a postagem do Josias de Souza sobre o Garotinho. Este já se defendeu hoje na Rádio Tupi. Mas ainda não deu pra limpar os respingos de lama.

Saudades de Sodoma e Gomorra

Aos pouquinhos, vai ficando claro para onde leva a terceira via proposta pela candidatura do ex-governador Antony Molequin..., digo, Garotinho. Ela conduz à delegacia de polícia. A pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro, a Polícia Federal abriu inquérito para apurar os veementes indícios da prática de molecagen$ na montagem do esquema de financiamento da pré-campanha do presidenciável do PMDB.
Quer assombrar-se? Pois leia alguns detalhes aqui. E outros aqui. Como se vê, todos os caminhos, mesmo os mais alternativos, parecem levar à perversão. Vive-se no país uma fase em que as pessoas são incapazes de enxergar honestidade nos políticos. E eles são incapazes de demonstrá-la. Resta ao brasileiro cultivar uma ponta de saudade daqueles tempos em que a política era mais pura e inocente, com PC "Sodoma" Farias e Fernando "Gomorra" Collor.

quarta-feira, abril 26, 2006

Os escaninhos do cérebro

O computador é uma ferramenta maravilhosa. Você quer confirmar ou descobrir conhecimentos, é só fazer uma pesquisa. Vem tudo na palma da mão. O cérebro humano também é maravilhoso. Milhões de acontecimentos já perpassaram nosso crânio, porém é impossível pesquisar o que aconteceu no dia 13 de julho de 1953. As lembranças que nos chegam são parcelas carentes de racionalidade que não atinamos porque ainda residem nos escaninhos da memória. São pop-ups insistentes que nunca conseguiremos bloquear. Por exemplo, em 1950 ou 1951, o ano também é querer demais, eu estava na terceira ou quarta série primária. Todos os dias vinha um funcionário da Prefeitura numa bicicleta. Trazia a merenda escolar num saco. Quase sempre era pão com mel. Eu tinha um coleguinha cujo pai era operário na Fábrica Bangu. Ele tinha direito à merenda. Meu pai era motorista de caminhão. Eu era considerado rico. Não ganhava merenda. Nunca fiquei revoltado com isso. Eu detestava pão com mel.
Assim eu poderia desfiar centenas de lembranças só do período escolar. Mas são coisas que estariam fora do contexto. Quem sabe eu pudesse abrir algumas postagens só com o título: "Memórias de um aluno medíocre"? Começaria aos sete anos, com fatos, personagens e sentimentos.
Essa presente algaravia tem por inspiração uma dessas lembranças aleatórias. Nosso cérebro através dos anos vivenciou cenas repetitivas, sofreu a verdadeira lavagem cerebral. Somos o produto de uma lavagem cerebral inconsciente e despropositada. Será?
Na Escola de Aeronáutica tínhamos, como um dos nossos tempos de lazer, um filminho toda quarta-feira. Quase sempre era um filme bom, mesmo porque, quando não o fosse, quase sempre dava pra jogar uma piada da caserna na cena e assim fazer um tempero a gosto. Como no filme de faroeste em que, junto a um rio, observando uns peixes, um vaqueiro perguntava ao outro: - São salmões? - Não, são manjubinhas! O cinema quase veio abaixo de tanta gargalhada. Manjuba era um objeto misterioso que ameaçava os cadetes indisciplinados ou relapsos. Finalmente, apareceu um filme russo. Ano? Talvez 1960. Um prisioneiro estava sob a guarda de uma tenente russa. E eles tinham que se deslocar. Não me lembro por que circunstância isso aconteceu. Ele estava sob a mira de um fuzil. Estranho, não?
Até que pegaram uma forte chuva e ficaram com as vestes encharcadas. Conseguiram um abrigo e, à luz de uma fogueira, ela sugeriu secarem as roupas, sem pudores burgueses. Ele deve ter pensado: -"Não dá idéia, não dá idéia!" A partir dali começou um romance, mas o prisioneiro sempre sob a mira da arma. Até que, no dia em que ele tentou fugir, ela atirou e matou o maldito cadete (em suas palavras). E como bom crocodilo chorou a morte do amado.
No dia seguinte vieram os comentários sobre o filme. Dizia um cadete: - Isso é pura propaganda comunista. Só pra dizer que o soldado comunista é cumpridor de suas atribuições! E eu, naquela época, já pensava: Puxa, só por causa de um filmezinho comunista? E quanta propaganda capitalista a gente engole desde criancinha e ninguém se dá conta! Filme, música, teatro, literatura, tudo americano. Mas aqui essa discussão acadêmica não vem ao caso. Estamos apenas divagando sobre os escaninhos do cérebro. Mas já que sistemas de política e economia foram citados, relembremos Ronald Reagan: "Estamos caminhando para o socialismo, um sistema que, como se diz, só funciona no céu, onde não precisam dele, e no inferno, onde ele já existe."



segunda-feira, abril 24, 2006

Citações Espertas


Vez por outra dou uma espiada em quem me visita, seja através de uma pesquisa (quando então também tenho acesso aos resultados dessa pesquisa), ou diretamente de outro site, quando posso retribuir a navegação. É um vasto leque que se abre.
No blog de uma portuguesa havia a citação: "Life is pleasant. Death is peaceful. It's the transition that's troublesome". Ou seja, "a vida é confortável. A morte é tranquila. A mudança é que preocupa".Como não se mencionava o autor, bati Life is pleasant no Google. Dos resultados escolhi o que me levou a Brainy Quotes. É uma boa distração para um dia de chuva.
Uma amiga minha disse que não vai mais ler meus blogs por causa desse dedo-duro. Na verdade eu não posso saber quem leu ou esqueceu de ler minhas mensagens. Apenas posso identificar quem veio através de outro blog ou home page. Sei quantos leram, quantas páginas foram visitadas, de que lugar do planeta vieram as visitas, qual o browser utilizado, qual a resolução do monitor, etc. Afora isso, o visitante é mencionado como unknown ou entrando diretamente no meu enderêço, ou seja, lulasi.blogspot.com.
À propósito, a citação acima é de Isaac Asimov. Uma outra dele que achei interessante: "I write for the same reason I breathe - because if I didn't, I would die". "Escrevo pelo mesmo motivo pelo qual respiro - se não o fizesse, poderia morrer".
Evidentemente não é o meu caso. Meus 5 leitores não me dão essa moral toda.

domingo, abril 16, 2006

Rádio Mix

Nada como ter aquilo roxo

A postagem de hoje estaria melhor no Represália. Mas como o Seu Lalo está defasado e eu tenho algo a transmitir, está bem neste lugar. Há oito anos, mais ou menos, tomei conhecimento do Mução, um nordestino de voz rouca que tinha uma participação diária de três horas na programação da rádio FM Som Zoom Sat das 16 às 19 hs. Antes e depois desse horário havia programas de forró. Às 20 hs entrava uma apresentadora de nome Vanda, não me lembro do sobrenome. Ela atendia a pedidos de músicas pelo telefone. Os ouvintes elogiavam muito sua voz. E ela acreditava. Para mim era apenas uma voz melosa. Ela conduzia bem o programa. Seu único pecado era perguntar ao ouvinte qual a sua música "mais" preferida. Algum ginecologista de plantão teria que ter tido a coragem de dar um "toque" nela para corrigir essa falha.
O Mução vivia e vive de sacanear os outros. Telefona para as pessoas sem se identificar e as trata pelo apelido. Nordestino tem ódio de apelido. Ele recebe "de bandeja" o nome, apelido, telefone e toda a "vida sexual" da vítima, ou seja, profissão, amigos, família, parentes, etc. Assim, quando ele telefona, conhece tudo da vítima, como ele mesmo chama seu público alvo, e assim tem mais facilidade de se introduzir e levar um diálogo. Resumindo, é a pegadinha do Mução. A pegadinha considerada a melhor da semana dá prêmios ao dedo duro que entregou a vítima, que, por sua vez, também recebe prêmios. Gravei várias pegadinhas. Realmente é muito engraçado. O Mução mudou duas vezes de emissora. Agora está na Rádio Mix (106,3 FM). Essas emissoras do nordeste são abusadas. Esta tem uma rede de 14 emissoras espalhadas pelo país. Registra seus melhores índices de audiência durante o “Programa do Mução".
E que fez o Mução agora? Entrevistou o ex-presidente Fernando Collor de Mello. Durante a conversa, rodou uma entrevista que Lula concedera em 1992, pouco depois do impeachment de Collor. À época sem mandato, Lula disse que tinha pena de Collor. Acusou-o de formar uma “quadrilha”, movido pela “ganância” e pela “vontade de roubar e de praticar corrupção”.Vale a pena ver o que tinha dito Lula, se bem que já rodou toda a internet, e o que falou Collor a respeito. Clique aqui para ouvir. Além da voz empostada do Collor e do seu modo de falar rebuscado onde ele até às vezes se perde na concordância de número, há coisas engraçadas como quando o Mução lhe pergunta se ainda tem "aquilo" roxo.

quarta-feira, abril 12, 2006

Cada cabeça, cada sentença

Recordações de vôo (1)



Um dos meus instrutores de vôo foi o tenente Pamplona. Lembro que era um cara boa gente, muito calmo. A respeito dele, além disso, só lembro do dia em que voávamos em Nova Iguaçu e eu ia fazer uma tomada de pista para aterrisar no aeroclube. Não sei porque cargas d'água achei que a pista era a faixa verde que ficava sob os fios de alta tensão da Light, ao lado do aeroclube. Não existe mais essa faixa verde. Agora por alí passa a Via Light, estrada de relativo movimento. Quando percebi o engano veio junto a percepção de que eu era um aprendiz e de que fazer uma curva fechada a baixa altura era uma manobra de alto risco para mim. Imediatamente passei os controles ao Pamplona. Só me faltou falar: vai que é tuuuaaa, Pamplona! (O goleiro Tafarel só apareceu muito, muito tempo depois). Ele me devolveu o avião já na reta para aterrisar.

Tive outro instrutor, não me lembra o nome, só a fisionomia. Não sei se foi antes do Pamplona ou depois. E quase fazendo o teste para o vôo solo ainda tive mais um instrutor, por muito pouco tempo. Cada um deles tinha um modo de ver as coisas, um modo de ensinar, um conceito da arte de voar. Quando fui para o vôo solo já peguei um novo oficial, o quarto aviador, que não gostou nada do modo como eu conduzia o avião, nem taxiando nem voando e me reprovou. Foi-se a chance de solar com doze horas. Deram-me novo instrutor e parti para novo teste, já com quatorze horas (ou quinze?) não me lembro bem. Me disseram: - Esse cara que vai te dar o vôo solo é moleza. Ele dá toda a pista do que deve ser feito. Realmente foi assim. Ele pressionava o manche com a perna quando achava que eu devia fazer determinada manobra (os comandos eram duplos). Eu obedecia para não desagradar mas achei um exagêro. Cada um tem sua sensibilidade. Ademais, dali a instantes eu iria voar sòzinho. Sem ninguém para me passar sinais sutis. Sem ninguém sequer para testemunhar toda a minha alegria em voar solo,
uma experiência única para cada indivíduo. Guardadas as devidas proporções, algo como ser o primeiro astronauta brasileiro.

terça-feira, abril 11, 2006

Se meu pai fosse mulher, era minha mãe

Devagar com o andor

Uma coisa Cristovam Buarque do PDT tem em comum com Lula: ele também não é candidato. Mas como lhe foi perguntado sobre seus um vírgula e pouco por cento de intenção de votos ele respondeu que deixa a interpretação para os entendidos em pesquisa. Os analistas políticos entendem muito de pesquisa mas sua análise sempre começa assim: se a eleição fosse hoje; abstraindo o candidato C; considerando-se apenas fulano e beltrano; agora bota francisco e josé... É um exercício de futurologia. Há a pesquisa expontânea, a pesquisa dirigida, a pesquisa não sei mais o quê. A eleição está longe, alguns candidatos nem estão definidos, mas os cara-pálidas já estão preparando o tortuoso caminho para que se torne mais confortável.
Em março de 1982, Brizola lançou-se candidato ao governo do Rio de Janeiro. A pesquisa já era enlouquecida. Estavam disparados na liderança Moreira Franco, Miro Teixeira e Sandra Cavalcanti, não sei se nesta ordem. Encontrei na rua uma caravana do PDT, alguns candidatos a vereador, alguns conhecidos meus, que vieram angariar meu voto. Ponderei que o PDT não tinha nenhuma chance em vista das pesquisas. Pediram que eu esquecesse a tal pesquisa, que a realidade era outra.
Acabei votando no PDT. A realidade foi outra.Mas nos dias de hoje em matéria de pesquisa a realidade também é outra. É incrível como eles sempre acertam. Um acerto aqui outro acolá e a manada vai entrando no curral eleitoral. Talvez eu me torne um perdedor já que não votarei no PT nem no PSDB. Como disse alguém, eles se odeiam mas são irmãos. O sistema de urna eletrônica não permite mais votar em candidatos fictícios como o Cacareco, rinoceronte do zoo de São Paulo, que em 1958 foi campeão absoluto de votos para a Câmara Municipal. Se não posso votar no original, por que iria votar no Enéas, que é uma imitação? Restam a Heloisa Helena, o Roberto Freire e mais alguém que possa vir para explicar e não para confundir.
Então vamos aguardar; nada de, se a eleição fosse hoje... Todo comentarista esportivo sabe que o "si" não ganha jogo. E meu pai já dizia: "se meu pai fosse mulher, era minha mãe!"

domingo, abril 09, 2006

Os três Fokkers

"Barbeiros" nos céus




O avião fokker S-11-4 (T-21) é um monoplano de asa baixa para treinamento primário, equipado com motor Lycoming 0.435-A de seis cilindros refrigerado a ar, com potencia máxima de 190 HP a 2.550 RPM ao nível do mar. Possui dois tanques localizados em cada asa, ao lado da fuselagem, com capacidade de 71 litros cada um, excluindo-se o espaço para expansão. Teto de serviço: 4000 mts; velocidade de cruzeiro: 80 nós; autonomia prática: 3 horas.

Há muito tempo, com o aumento do tráfego aéreo mesmo nos pequenos aeroclubes, viu-se a necessidade de se criar uma padronização nos vôos para se evitar problemas, tanto corriqueiros como graves, no circuito de aproximação. Passou a ser definido um caminho específico para a aproximação, de maneira que toda aeronave deveria respeitar este caminho. É mais ou menos como se houvesse uma rua ao redor da pista e o avião só pudesse pousar na pista se seguisse esta rua. Este é o circuito de tráfego padrão.

Se nada mudou acho que ainda me lembro: tomada de pista, perna com o vento, perna base, reta final. Para quem não é do ramo faz-se necessária uma explanação - a tomada de pista é feita perpendicularmente à mesma, vira-se para a direita, estamos na perna com o vento paralelamente à pista. Faz-se uma curva à esquerda sôbre o início (cabeceira) da pista e à esquerda novamente. Estamos de frente pro crime. É a reta final. Vamos aterrisar. Vamos para os abraços ou pra tomar esporro do instrutor.
No entanto há outros aviões no circuito, alguns fazendo pouso e arremetida. Se o instrutor acha que você materializou o pouso ele manda apenas tocar e arremeter (acelerar e decolar de novo). Faz-se o circuito novamente. Dá-se a volta no quarteirão. Então há um problema: tráfego de aviões fazendo o circuito e aviões entrando no circuito. Nunca ouvi falar, mas desde que as aeronaves estão com a mesma altura, pode haver colisão.

Assim, estava eu a fazer uma tomada de pista. Atrás, muito próximo, perigosamente próximo, eu achei, vinha outro avião. Esperei que ele virasse à direita, pegando a perna com o vento, para eu poder fazer o mesmo. Mas nada dele fazer isso. Quando olho à esquerda, outro avião estava fazendo o circuito. Então preste atenção, motorista. Você de carro, numa encruzilhada, você simplesmente para e aguarda o outro carro passar. Quem estiver atrás de você também para e aguarda. Mas no ar só quem para é helicóptero, beija-flor e o Dadá Maravilha, jogador de futebol ao cabecear uma bola segundo ele. Demorou mas tive que tomar minha decisão. O que vi então simplesmente não pode ser descrito. Ninguém pode descrever a amplidão, o espaço sem fronteiras, que nenhuma Hidra de Lerna, da mitologia grega, com suas sete cabeças e não sei quantos olhos, poderia enxergar. Abaixo de mim um avião ainda passando reto, acima o do circuito com suas rodas quase riscando minha cabeça. Os três literalmente embrulhados. É uma fração de segundos que parecem alguns minutos. Só mesmo um desenho poderia descrever a cena.
Memorizei os números dos aviões e lá embaixo cheguei junto. Não lembro quem eram os anjinhos. Perguntei a um se não tinha visto meu avião e o que poderia acontecer. Ele não tinha visto avião algum. Perguntei ao outro pilôto. Ele tampouco tinha visto nada. Não é só nas estradas que existem "barbeiros". Também há "barbeiros" no céu.

quinta-feira, abril 06, 2006

Um quadro e suas versões ao passado

Um quadro e suas versões ao passado
Agulha - Revista de Cultura
Soares Feitosa


Quando Teófilo abriu o estabelecimento, lá estava, por baixo da porta, uma gravura. Quem a botara ali? Recuou-se ele, desde a infância, àquelas professorinhas a quem os meninos de então, ele também, chamavam "fessora". Não. Não era.
— Apenas uma foto de currículo, senhor. O vento. Quem sabe, algum retrato que vazou do cesto — disse a auxiliar das pastas.
O vento. Isto mesmo! O que fazem as empresas com os currículos que lhes chegam aos montes? Afinal, não se sabe de alguém que tenha tomado currículo de volta. As cartas, as fotos, sim. Mas não era uma foto. Nem carta. Um quadro, com aparência de coisa fina: oil on canvas — e, no verso, ilegíveis os nomes, do quadro e do autor.
— Não é fotografia! — disse Teófilo.
A secretária deu o dito pelo não dito. Bem que o assunto poderia ter morrido ali mesmo. Contam que Teófilo pegou a gravura e, cuidadosamente guardou-a. Contam que ele, todos os dias, colocava-a sobre uma mesa imensa, de tampo de vidro, e botava-lhe lupa. Examinava-a repetidamente. Quando entendia que o tamanho estava bom, retocava-a em vermelhos, tudo a partir de um lápis de cor, desses de marcar CD's, que ele antes utilizava para avivar os rótulos do estabelecimento. Pior, mal chegava um freguês, lá estava ele a indagar se conhecia aquela jovem. Muitos, de tão repetidos os interrogatórios, antecipavam-se e, antes mesmo de regatear preços, esclareciam que não.
— Bem que o amigo poderia tê-la visto na quermesse... não?!
Na quermesse! Como se as jovens de hoje fossem à quermesse. Não; ninguém sabia. Não fora encontrada. Outros garantem que o retrato nada teria de misterioso e muito menos a ver com um suposto vendaval, mesmo porque o vento, ali, as janelas fechadas, seria nenhum.
Teria sido assim, de uma outra versão: Teófilo, um dia restaurou um sonho e rascunhou-o no ar. Aliás, “riscou-o” em cima da perna, mal acordara. Correu com toda pressa para o estabelecimento, botou o sonho em papel e remeteu-o, mediante gorda retribuição, a uma sociedade de pintores. Até abriu concurso. Deu instruções, assim e assado. Quando chegou o quadro, um amigo objetou que não havia, naquela pintura, nenhuma referência sobre a parte de baixo. Realmente, olhando-o, não dá para garantir que a jovem tenha algo abaixo cintura. «Claro que deve ter!», dizia ele ao amigo. Realmente, não existe pessoa só do peito para cima. E o resto? Como haveria de ser o resto?
Contam que Teófilo, do alto de suas muitas exigências, não teria reclamado da equipe de pintores, mesmo porque as indicações do sonho a nada mais abrangiam que as partes superiores, tal como está. Dizem que Teófilo padecia do medo pânico de exigir algo a mais, digamos, um novo quadro, de corpo inteiro, pois lhe assaltava o terror de jamais “encontrá-la” se acaso aparecesse nesse novo formato, dos pés à cabeça. Afinal, no sonho, era-lhe somente aquela parte, a de cima. Mostrava-se ela também de lado, mas nem tanto. Sim, a outra manga da blusa, onde estaria a outra manga? Não dá para ver — os cabelos são-lhe longos e espessos. Muito estranho, não?!
Até que um belo dia, um caixeiro viajante deu notícia de um pintor, um certo Allan R. Banks, norte-americano, nascido em 1948. O quadro? Justo aquele da gravura: Hanna. Nada a ver, portanto, com o sonho, aliás, com o pesadelo de Teófilo. O problema é que ninguém acreditou.
Leitor, por obséquio, não me pergunte sobre desfecho. Isto pertence ao passado, algo totalmente inacessível até mesmo aos senhores historiadores. De fato, se dois historiadores se encontram, igual aos críticos de Literatura, desentendem-se imediatamente. O que, pois, dizer dos muitos boateiros que balanceavam dia e noite a vida de Teófilo e seu quadro misterioso?! Sobre o futuro, não! Isto é assunto calmo, o futuro. Todos nós sabemo-lo. Experimente colocar qualquer pergunta no modo “acontecerá”, e a resposta será imediata. Por isto mesmo é que os feiticeiros e adivinhos estão todos desempregados. Inclusive Teófilo.

segunda-feira, abril 03, 2006

Cem anos de solidão

Lembranças de Macondo

A primeira vez que passei em Cavarú pensei, Macondo é aqui. Macondo é o lugar fictício na Colômbia onde se desenvolve a narrativa de "Cem Anos de Solidão" de Gabriel García Márquez, lugar que no meu entendimento tem tudo de soturno e atrasado visto que logo no início do livro determinadas crianças viam o gêlo pela primeira vez.

Cavarú é a estação de trem, desativada, mais três construções antigas e inúmeros sítios e fazendas, município de Paraíba do Sul. Das construções pelo menos uma abriga um comércio onde se vende de tudo, coisas de necessidade imediata da população. É a minha impressão, nunca parei para ver. Antigamente era tudo poeira, estrada de terra. Há pouco tempo asfaltaram todo o percurso, construíram um play-ground muiti-colorido e reformaram e pintaram os prédios. Ou seja, descaracterizam o ambiente. Ainda hoje o lugar é desolado. No máximo avisto duas ou três pessoas quando passo por lá.

Mas não estou escrevendo por causa de Cavarú e sim por Macondo. A casa da matriarca na história era parada de quantos passavam por ali, fôssem parentes, amigos ou simplesmente caminhantes. Todos eram tratados como hóspedes e tinham comida farta. Até pernoitavam lá. Faz tempo que li o livro, portanto se alguma coisa não corresponder deve-se à minha memória.

Mas será mesmo por Macondo que estou escrevendo? Acho que não. Hoje tirei do fundo da gaveta a foto aí de cima. Sempre achei que a casa dos meus pais tinha alguma coisa de Macondo. Muita gente no fim de semana, parentes próximos e distantes, amigos e amigos dos amigos. A
maioria ficava para almoçar, alguns para o lanche da tarde e uns poucos até jantavam. Algumas vezes a frequencia era pequena mas pelo menos havia número para jogar o bozó, como eles chamavam, meu pai e mais três. Era um jogo de tabuleiro, um tabuleiro grande que se apoiava nas pernas dos quatro jogadores. Cada um tinha uma pedra acionada por um dado que dava o número de casas que se podia avançar. O caminho era em forma de cruz, cada ponta da cruz tendo um jogador por dono. Quando a pedra percorria toda a cruz entrava reto em frente ao jogador até o centro da cruz. Então se conhecia o vencedor.
A turma do jogo de víspora também era numerosa. Muito riso, muita animação, muita gritaria, jogo baratinho, perdas e lucros irrisórios, qualquer criança podia participar.
A foto mostra um dia concorrido. Tudo conterrâneo de Bom Conselho de Papacaça, Pernambuco. Á esquerda um canavial plantado numa área de 10 por 15 metros. Ao fundo um pé de carambola e à direita cinco abacateiros. Meu pai era caminhoneiro. Aí está a máquina. Ano? Talvez 1956. Todos estavam felizes. Porém minha mãe reclamava, por dois motivos: sua quota de trabalho era triplicada, quadruplicada e toda essa farra era financiada pelo meu pai, que não fazia caso, que tinha até muita satisfação em ser visto como patriarca e ser referenciado lá em Bom Conselho como bem sucedido no Rio de Janeiro. Muitos dos que frequentavam nossa casa já receberam o último chamado. Os que continuam vivos parecem não se interessar em saber se estamos vivos. Acho normal. Não deixa de existir uma ingratidão, mas acho normal. As
pessoas mudam de interêsses, mudam de amizades, se é que se possa aí falar em amizade. Eu mesmo interrompi diversos relacionamentos de amizade sem parar para pensar que alguém ficaria feliz de me ver de novo. Tudo acaba. O ciclo em Macondo acabou. Essa história de cinco gerações chegou ao fim. Porém lá em casa nunca houve solidão.