terça-feira, novembro 28, 2006

O contador de favor

A mão esquerda não deve saber o que faz a direita

Não me lembro em que idade comecei a ouvir falar em cérebro eletrônico - esse era o nome do computador da idade da pedra. Depois vim a saber que era um cérebro burro, dependia da inteligência humana. E soube também que tudo que produzia de errado era debitado na conta do cérebro humano que lhe dera ordens erradas.
No início o computador era programado apenas por números. O primeiro computador pessoal foi o Altair. Eu vi o kit na revista Popular Eletronics no ano de 1975. O painel frontal trazia 8 chaves liga-desliga e uma chave geral. Cada chave ligada correspondia ao número um; desligada correspondia a zero. Assim se formava uma sequência como "10010010" que era enviada para a memória ligando-se a chave geral. E assim, aos poucos, com muita paciência, se organizava um programa de computador. Faltava alguém para fazer as coisas ficarem mais fáceis, ou seja, inventar uma linguagem coloquial para interagir com o computador e também um teclado para substituir as chaves uns-zeros. Acho que foi o tio Bill Gates quem conseguiu isso. Ademais ele estava ali pertinho do Vale do Silício, cercado de toda a tecnologia e comprou a mesma revista que eu, que estava apenas começando a me iniciar nos segredos da Big Blue, como era chamada a IBM. Eu estava começando a aprender a programar na linguagem PL-1 em computadores de grande porte da IBM.
Programar em PL-1 era quase como falar com uma pessoa. Havia pontos nos programas chamados LEITURA, GRAVAÇÃO, INÍCIO, FIM, CONTANDO, etc... Me contaram que havia um programador muito personalista chamado Fausto. Seus programas eram inconfundíveis porque tinham coisas chamadas FAUSTO VAI LER, FAUSTO QUER, FAUSTO NÃO QUER, FAUSTO VAI GRAVAR, etc....
Assim é, meus caros, que o computador não sabe, por exemplo, contar. Ele apenas reserva um lugar a que alguém, o programador, chama contador, digamos, contador de favor. E vai incrementado, um a um, os favores que encontra pela vida.
Quando comecei a escrever este texto lembrei-me de uma frase dita em tom de ironia por um amigo para outro, ambos programadores: - Vai incrementar o contador de favor?
É que, contrariando o preceito bíblico de que a mão esquerda não deve saber o que faz a direita, muita gente mantém um contador dos favores que faz a terceiros e costuma cobrá-los quando se acha merecedor de alguma benfeitoria de algum desses terceiros. Para eles vale mais aquele outro preceito: uma mão lava a outra. Em toda sociedade as coisas funcionam assim. Os Bancos chamam a isso reciprocidade. Entre os partidos políticos talvez isso se traduza como cooptação. Se você puder fazer um favor a um amigo ou parente, faça sem cobrar, sem jogar na cara depois. Porque um contador de favor jogado na cara doi.