Os escaninhos do cérebro
O computador é uma ferramenta maravilhosa. Você quer confirmar ou descobrir conhecimentos, é só fazer uma pesquisa. Vem tudo na palma da mão. O cérebro humano também é maravilhoso. Milhões de acontecimentos já perpassaram nosso crânio, porém é impossível pesquisar o que aconteceu no dia 13 de julho de 1953. As lembranças que nos chegam são parcelas carentes de racionalidade que não atinamos porque ainda residem nos escaninhos da memória. São pop-ups insistentes que nunca conseguiremos bloquear. Por exemplo, em 1950 ou 1951, o ano também é querer demais, eu estava na terceira ou quarta série primária. Todos os dias vinha um funcionário da Prefeitura numa bicicleta. Trazia a merenda escolar num saco. Quase sempre era pão com mel. Eu tinha um coleguinha cujo pai era operário na Fábrica Bangu. Ele tinha direito à merenda. Meu pai era motorista de caminhão. Eu era considerado rico. Não ganhava merenda. Nunca fiquei revoltado com isso. Eu detestava pão com mel.
Assim eu poderia desfiar centenas de lembranças só do período escolar. Mas são coisas que estariam fora do contexto. Quem sabe eu pudesse abrir algumas postagens só com o título: "Memórias de um aluno medíocre"? Começaria aos sete anos, com fatos, personagens e sentimentos.
Essa presente algaravia tem por inspiração uma dessas lembranças aleatórias. Nosso cérebro através dos anos vivenciou cenas repetitivas, sofreu a verdadeira lavagem cerebral. Somos o produto de uma lavagem cerebral inconsciente e despropositada. Será?
Na Escola de Aeronáutica tínhamos, como um dos nossos tempos de lazer, um filminho toda quarta-feira. Quase sempre era um filme bom, mesmo porque, quando não o fosse, quase sempre dava pra jogar uma piada da caserna na cena e assim fazer um tempero a gosto. Como no filme de faroeste em que, junto a um rio, observando uns peixes, um vaqueiro perguntava ao outro: - São salmões? - Não, são manjubinhas! O cinema quase veio abaixo de tanta gargalhada. Manjuba era um objeto misterioso que ameaçava os cadetes indisciplinados ou relapsos. Finalmente, apareceu um filme russo. Ano? Talvez 1960. Um prisioneiro estava sob a guarda de uma tenente russa. E eles tinham que se deslocar. Não me lembro por que circunstância isso aconteceu. Ele estava sob a mira de um fuzil. Estranho, não?
Até que pegaram uma forte chuva e ficaram com as vestes encharcadas. Conseguiram um abrigo e, à luz de uma fogueira, ela sugeriu secarem as roupas, sem pudores burgueses. Ele deve ter pensado: -"Não dá idéia, não dá idéia!" A partir dali começou um romance, mas o prisioneiro sempre sob a mira da arma. Até que, no dia em que ele tentou fugir, ela atirou e matou o maldito cadete (em suas palavras). E como bom crocodilo chorou a morte do amado.
No dia seguinte vieram os comentários sobre o filme. Dizia um cadete: - Isso é pura propaganda comunista. Só pra dizer que o soldado comunista é cumpridor de suas atribuições! E eu, naquela época, já pensava: Puxa, só por causa de um filmezinho comunista? E quanta propaganda capitalista a gente engole desde criancinha e ninguém se dá conta! Filme, música, teatro, literatura, tudo americano. Mas aqui essa discussão acadêmica não vem ao caso. Estamos apenas divagando sobre os escaninhos do cérebro. Mas já que sistemas de política e economia foram citados, relembremos Ronald Reagan: "Estamos caminhando para o socialismo, um sistema que, como se diz, só funciona no céu, onde não precisam dele, e no inferno, onde ele já existe."
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home