quinta-feira, março 30, 2006

Primeira Leitura

Jobim já vai tarde

Depois que você ler este texto terá a impressão de que foi isso que gostaria de ter falado mas não encontrou as palavras. O texto é longo mas não coloco links. Copiei na íntegra. É o PRIMEIRA LEITURA. Depois você lê o que quiser.

RESUMO - Ex-ministro do Supremo se despede com o discurso pautado pela Síndrome Dalva de Oliveira: “Errei, sim, manchei o teu nome...”. Não cola. Ele disse que só erra quem faz. Está errando de novo, mesmo agora, quando não está fazendo. Eu só espero que ele não decida ser caseiro. Prefiro o Francenildo. E também vai um recado para Angela Guadagnin: o problema está em ser feia por dentro. Por Reinaldo Azevedo

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Nelson Jobim, felizmente, despediu-se do Supremo Tribunal Federal. Agora só vai ser político. Ainda bem. Se ele anunciasse que iria ser caseiro de algum poderoso, eu não o estimularia. Gosto dos que temos. Um presidente de corte que não pode ser caseiro porque lhe faltam, em vez de lhe excederem qualidades, está com problema. Em seu discurso, numa solenidade em que foi agraciado com a Grã-Cruz do Congresso Nacional (como assim?), mostrou que foi acometido do que costumo chamar de “Síndrome Dalva de Oliveira”. Saiu-se com o seu “Errei, sim/ manchei o teu nome...”, numa alusão à música de Ataulfo Alves.
Quero alertar os políticos: chega de conversa mole e de clichê.
Vejam o que disse o político Jobim sobre sua atuação como chefe máximo da Suprema Corte: “Só comete erros quem faz, porque quem não faz não comete erros, critica”. Errado. Aplicado o conceito, como critério absoluto, à vida pública, trata-se de uma visão totalitária de mundo. Querem ver? Imaginem Costa e Silva comentando o AI-5: “Só comete erros quem faz, porque quem não faz não comete erros, critica”. Saddam Hussein explicando por que mentiu, plantando falsas evidências de que tinha armas de destruição em massa: “Só comete erros quem faz, porque quem não faz não comete erros, critica”. Bush explicando o desastrado pós-guerra no Iraque: “Só comete erros quem faz, porque quem não faz não comete erros, critica”. Vou para o extremo. Hitler sobre o Holocausto: “Só comete erros quem faz, porque quem não faz não comete erros, critica”. Stálin sobre a morte de 35 milhões de pessoas: “Só comete erros quem faz, porque quem não faz não comete erros, critica”. Mao Tsé-tung sobre o extermínio do dobro disso: “Só comete erros quem faz, porque quem não faz não comete erros, critica”.
Quer saber, político Jobim? Leve seu mea-culpa autocomplacente e autoritário pra lá. Ainda que houvesse alguma virtude nesta bobagem do “erra, mas faz”, seria preciso admitir que o senhor errou demais por excesso de fazeção. Fosse mais comedido e mais conformado aos limites que o cargo lhe impunha, teria errado menos. Ocorre que o senhor decidiu usar algumas das prerrogativas de Poder Moderador que ainda subsistem no Judiciário brasileiro para tentar encabrestar o Legislativo.
O seu mau comportamento na sessão que julgou se era ou não pertinente que Dirceu fosse processado pela Câmara por conta dos atos que praticou no exercício da chefia da Casa Civil entra, creio, para a crônica do que um juiz não deve fazer. Como não deve dar-se ao desfrute de criar marola, evidenciando as suas escancaradas pretensões políticas. E repare: não estou aqui entrando no mérito do seu voto. Se só uma opinião fosse possível a respeito daquele caso, julgamento para quê? Refiro-me à constância com que o senhor interrompeu a exposição de motivos dos seus colegas (os que eram contrários a seu voto pró-Dirceu, é claro) e o seu absolutamente notável esforço para condescender com os motivos do então querelante.
Mais: Primeira Leitura apurou que o senhor, depois de ver derrotada a pretensão do agora ex-deputado, telefonou para ele num ato de solidariedade. Louvo a sua lhaneza. Mas, naquela hora, ela era incompatível com a toga. Um discípulo de Montesquieu também não telefonaria, na eleição para a presidência da Câmara, cabalando votos para Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Se é para escolher clichês, em vez do “erra, mas faz”, melhor ficar com o “cada macaco no seu galho”.
Alguns colegas meus até poderiam dizer que este texto é desnecessário porque o senhor já é passado, já é, como diria Guilherme, o frei cientista de O Nome da Rosa, “carne queimada”. Não acho, não. O Executivo mais eivado de ilegalidades da história republicana também contou com o Judiciário mais heterodoxo. E, não por acaso, o conjunto coincidiu com a pior legislatura de que se tem notícia. Viu-se uma verdadeira conspiração de minoridades. Assim, além de este texto saudar o fato de o senhor estar fora do Supremo, uma ausência que, sem dúvida, soma, também é preciso que ele sirva de advertência para o que está em curso.
Ora, todos sabemos que juízes são humanos e, pois, passíveis de erro. Mas são pagos justamente para que tenham menos fraquezas do que jornalistas, caseiros e até ministros de Estado. Claro: sempre restará a pergunta de padre Vieira: “Mas quem remedeia os remédios?”. Quem se encarrega de pôr o guizo no pescoço do Judiciário se este, em vez de julgar, se torna parte do jogo político e, pois, uma das forças em disputa? Há alguns mecanismos, como o controle externo, que não cuida exatamente do conteúdo das sentenças, mas gerencia, digamos, a eficiência do Poder. É pouco. É por isso que as democracias, sabiamente, usam aquela tripartição que vem de Montesquieu e cria espaços institucionais para que os Poderes sejam independentes e harmônicos.
O presidente de uma Suprema Corte que não nega, mas antes estimula, a suposição de que está de olho do cargo de vice na chapa do presidente continuísta mandou para o diabo a independência — e note bem: por mais independente que fosse. Um presidente do Supremo que impede, com liminares, que a CPI exerça o seu trabalho e seja um dos instrumentos da minoria para vigiar o Executivo investe é no conflito entre Judiciário e Legislativo, e não na harmonia. Não adianta ter apenas o nariz de um Montesquieu.


Guadagnin Ainda em 2002 escrevi um texto chamado Zeitgeist demonstrando como o petismo era o emblema do espírito de um tempo. Diga e faça as maiores barbaridades e depois saia gritando: “Não aceito preconceito! Não aceito ser patrulhado!”. Jobim, como se vê, acata como seus todos os acertos e joga os erros na conta de seu temperamento muito operativo (ele erra porque faz) e humano.
Já a deputada Angela Guadagnin (PT-SP), aquela que fez a Dança do Mensalão, acredita que foi criticada porque é gorda, petista e não tinge o cabelo.Há nisso duas ordens de problemas, deputada: se for para julgar seu bailado, é inegável que, sei lá, Luana Piovani o faria com mais graça, assim como Reynaldo, o Gianecchini, ficaria melhor numa propaganda de xampu (ou qualquer outra) do que Reinaldo, o Azevedo. Ocorre que a importância da estampa, na minha profissão, é tão irrelevante quanto na sua. Posso garantir à senhora que, caso eu estrelasse um comercial da Marisa para vender lingerie feminina, conseguiria, no máximo, matar de vergonha minha mulher e minhas filhas.
Prefiro que me julguem por meu texto. Vivo disso. Se me comporto como garoto-propaganda e alguém me ataca porque me acham feio (nem tanto...), não posso alegar que quem está sendo discriminado é o jornalista. A população julga o seu trabalho como deputada, e acho razoável que fique indignada ao vê-la se comportar como a pin-up do mensalão. Fique certa: a mais bela das mulheres executando os passos daquela dança macabra não seria mais bonita por dentro do que a senhora. E é muito provável que começasse a enfear por fora.
A verdade é que a senhora dançou, deputada.


[reinaldo@primeiraleitura.com.br] Publicado em 29 de março de 2006.