sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Meus 15 anos - Humberto de Campos

Um pequeno conto

Hoje liguei para o Abeu, colégio que sucedeu ao Filgueiras, onde fiz todo o curso ginasial e o primeiro científico. O restante do científico fiz na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, em Barbacena - MG, onde entrei como paraquedista. Não, eu não saltei de paraquedas. Apenas quem caía no meio do curso era paraquedista. Tem lógica.
A funcionária do colégio me informou que os alunos da Faculdade podiam levar livros para casa. Os alunos de nível médio podiam consultar na biblioteca ou tirar xerox. Uma injustiça. Ela justificou dizendo que o acêrvo para o nível médio era pequeno. Eu liguei para não fazer falso juízo de valor. Achei que atualmente os colégios não tinham a mesma seriedade de antigamente. Bom, no meu tempo a biblioteca tinha boa frequência e a gente levava os livros para casa. E o acêrvo era razoável. Meus preferidos eram Humberto de Campos, Machado de Assis, José de Alencar e Eça de Queiroz.
À propósito, o Abeu foi meu primeiro provedor de internet. Depois eles encerraram essa fase. Veja os links:
UNIABEU Campus 2 - Nilópolis
ABEU COLÉGIOS (Nilópolis)

Hoje relembrei aquele tempo. A internet me trouxe Humberto de Campos. E veio um delicioso e malicioso conto. Um pequeno conto. Eu não o conhecia. Se o tivesse lido naquela época pode ser que não tivesse entendido o desfecho. A molecada de agora entende até bem demais. E iria mesmo substituir a mão microscópica por bôca microscópica.


Microscópio

Humberto de Campos

Os salões do desembargador Marcelino Pedreira, à rua São Clemente, achavam-se repletos, como poucas vezes acontecia, naquela noite memorável. Políticos, magistrados, médicos, bacharéis, homens de letras e homens de negócios enchiam os grandes compartimentos do
palacete magnífico, de mistura com o que há de mais fino, de mais chic, de mais distinto, nas rodas femininas do Rio. Lauro Müller, Miguel Couto, Pires do Rio, Antônio Azeredo, são silhuetas em evidência. O encanto da reunião está, entretanto, na revoada de moças e senhoras que volteiam pelas salas, e entre as quais se destaca, pela formosura, pela mocidade, pela inocência do olhar e dos modos, Mlle. Júlia Petersen, noiva do Dr. Abelardo Moura e filha única do desembargador Feliciano Mendonça. De repente, como se um punhado de folhas e flores obedecesse a um redemoinho invisível, faz-se uma roda em torno a uma das mesas da sala de chá. Homens de ciência e damas inteligentes formam o grupo. Elevada, culta, a palestra versa os assuntos mais variados, encantando as senhoras.
Na sala contígua, dança-se. E, entre os pares, o Dr. Abelardo e a noiva. Súbito, parando, põem-se os dois a conversar:
— Que mãos tens tu, Julita! — elogia o noivo, maravilhado, apertando os dedos miúdos, finos, quase infantis, da sua prometida
— Acha-a pequena? — indaga a moça
— Microscópica!
— Como?
— Microscópica! — insiste o rapaz.
Intrigada com o vocábulo, que ouvia pela primeira vez, a moça pede licença por um instante, penetra no salão de chá e, com a sua ingenuidade, indaga do Dr. Álvaro Osório:
— Doutor, que significa "microscópico?"
— É um derivado de "microscópio", Mademoiselle! — explica o ilustre fisiologista.
— E que é "microscópio"? — torna a menina, franzindo a testa morena, que os olhos iluminam. O Dr. Álvaro medita um momento, e, para não perder tempo, explica:
— É um aparelho que faz as coisas crescerem. Compreende?
A menina sorri, agradecida. De repente, porém, pisca os olhos, franze mais a testa, e enrubescendo:
— Ahn!...
Morde o dedinho róseo, meio brejeira, meio encabulada:
— Sem vergonha! Agora é que eu compreendo porque é que ele diz que eu tenho a mão microscópica ...
E sai correndo, vermelha, a abraçar-se com o noivo.